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Sem Aviso

Fazia tempo que eu observava o movimento das pessoas. O hotel parecia um
formigueiro. Gente de todo tipo dava entrada e saída na recepção. Sons se alastravam
pelo imenso hall, murmúrios se confundiam numa língua incompreensível.

Entre todo aquele tumulto, sentia-me sozinho. Profundamente sozinho.

De canto de olho, notei uma senhora bastante idosa levantar-se da poltrona ao meu
lado. Tomei seu lugar de imediato, acomodando meu corpo cansado. Mergulhado em
pensamentos confusos, não cheguei a reparar na bela jovem caminhando em minha
direção.

— Boa tarde! — uma voz rouca fez-se ouvir.

Ao erguer o olhar, me deparei com uma morena curvilínea. Aparentava trinta anos.
Vestia uma jaqueta de couro justa sobre um vestido preto curto, com sapatos
vermelhos de salto alto e uma bolsa combinando com eles.

— Boa tarde. Deseja algo? — indaguei ressabiado, certo de que tratava-se de algum
tipo de venda. Ainda assim, fantasiei que a gostosa queria transar comigo.

— Estava te esperando — um sorriso malicioso surgiu entre seus lábios volumosos.
Retribuí com um meio sorriso, ajeitando o paletó amarrotado.

— Me esperando? — estreitei os olhos. — Olha, não me leve a mal, mas deve estar
enganada. Não nos conhecemos.

Com certeza me lembraria, pensei.

— Nunca me engano. Espero por você há muito tempo — a última frase foi quase um
sussurro.

Por alguma razão desconhecida, fui tomado por um misto de curiosidade e mau
pressentimento. Levantei-me em um sobressalto.

— Como assim? Qual o seu nome? — perguntei encarando-a.

— Nome? Isso é irrelevante. Vem comigo — a moça de longos cabelos negros
aproximou-se, acariciando com intimidade meu rosto. Seu toque frio fez meu corpo
estremecer.

— O-o-nde? — balbuciei.
— Vamos dar um passeio — e segurou meu braço.
— Por que eu? — nervoso, livrei o braço.
— Porque chegou sua hora — ela disse com desdém.
— Mas agora? — comecei a entender que o convite não era opcional.
— Qualquer hora é hora — foi a resposta.
— E as minhas filhas? Minha esposa?
— Não creio que sua esposa sentirá sua falta. Quanto às suas filhas, elas acabam se
acostumando, c’est la vie.

Meu peito se contraiu.

— De qualquer forma, gostaria de vê-las, quero me despedir.
— Não será possível — sua voz assumiu um tom áspero.
— Sabe, estou aqui a trabalho. Ainda preciso concluir uma porção de coisas, não pode
ficar tudo pela metade!
— As coisas sempre ficam pela metade. No lado de lá, nada disso será necessário.
— Por falar em lado de lá… — engoli em seco. — Como é?
— Lado de cá, lado de lá, tudo é a mesma coisa. Não há diferenças. Os homens é que
criam muitas fantasias.
— E a passagem, dói muito? — o medo começou a gotejar pelo meu corpo.
— Depende. No seu caso, nem irá perceber. Relaxe — soprou-me ao pé do
ouvido — vou cuidar de você com carinho, só não quero fazer isso num hall de hotel.
Subimos para seu quarto?
— No meu quarto? — paralisado, perguntava-me em pensamentos se aquilo seria
mesmo real. Ao mesmo tempo, meu coração batia acelerado. Quase feliz.
— Qual o seu andar? — ela alcançou minhas mãos e me conduziu para dentro do
elevador.
— É o décimo terceiro — nunca acreditei em coincidências, era no mínimo irônico.

A moça foi logo entrando. Jogou a bolsa na mesa de centro, sentou-se na beirada da
cama e cruzou as pernas torneadas. Em seguida, abriu o zíper da jaqueta de couro
deixando saltar os peitos fartos. Com um gesto de cabeça, indicou que me queria ao
seu lado. Sentei-me titubeante. Quando pousou sua mão em minha coxa, rápidas
imagens invadiram meu cérebro, como se estivesse recapitulando minha vida. Sempre
ouvi falar que as pessoas passam por isso antes do fim. O que comprovava a
identidade dela.

— Tudo está muito bom, mas não daria para adiar um pouquinho nosso
encontro? — afastei sua mão. — Uns dias, umas semanas, alguns meses não farão
diferença alguma. Certo?

De repente, veio-me à cabeça aquela senhora idosa que tomei o lugar na poltrona. Por
que não ela? Porra, só tenho cinquenta e cinco anos.

— Não funciona dessa forma — resmungou, decifrando meus pensamentos. Seus
olhos opacos me atravessaram, seu rosto pálido colou no meu. Então, percebi sua
boca procurando a minha. Por um instante, relutei.
— Eu, eu…— queria dizer algo, me faltavam palavras.
— Chega de papo. Quero você. Agora! — determinada, arrancou o vestido e jogou-se
sobre mim.

A luz oscilou. Um arrepio intenso percorreu minha espinha. Senti seus lábios gélidos,
por fim, encontrarem os meus.

Depois não senti mais nada.